Acordo dos bancários sempre causa impactos com injeção de recursos na economia do país. Neste, serão R$ 8 bilhões. Além do legado de uma campanha inovadora
A Campanha Nacional dos Bancários em 2020 foi a mais desafiadora de todas já realizadas pela categoria no país. Trouxe consigo os dilemas resultantes de um momento sem precedentes na história mundial: em pleno ano de pandemia e todas as limitações advindas dela. Tratei desse tema em nota técnica publicada na 14ª Carta de Conjuntura do Observatório de políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Conjuscs).
Em 11 de março de 2020, o surto de covid-19 foi declarado “pandemia” pela Organização Mundial de Saúde (OMS). No dia seguinte, a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro da CUT (Contraf-CUT) encaminhou ofício à Fenaban (a federação que representa os bancos). O documento requeria uma negociação para discutir medidas a serem tomadas para a proteção dos bancários frente a essa emergência sanitária com repercussões ainda desconhecidas. A primeira reunião entre os representantes de bancos e dos bancários ocorreu em 16 de março. Criou-se um “Comitê de Crise” bipartite visando a acompanhar as orientações das autoridades de saúde com relação a pandemia, de acordo com a evolução da crise.
Em duas semanas, 230 mil bancários já estavam em home office (51% da categoria). Devido ao isolamento social imposto para enfrentar a pandemia, as negociações e demais procedimentos foram todos digitais. Um formato nunca testado. A Campanha 2020 foi um processo 100% telemático. Isso quer dizer que toda a comunicação foi conduzida à distância.
Com o tema “A distância não nos limita”, a campanha começou pela consulta aos bancários, que define prioridades da negociação. Em formato on-line, a consulta contou com quase 30 mil respondentes em apenas nove dias.
A rapidez com que mais da metade da categoria foi colocada em home office causou preocupação com as condições de trabalho desses bancários. E também com quais seriam suas principais angústias e reivindicações, se tornando tema primordial nas mesas de negociação. A Contraf, então, solicitou ao Diesse a realização de uma pesquisa com aqueles trabalhadores. Elaborou-se um amplo questionário e a pesquisa, também on-line, foi aplicada no início de julho. Contou com mais de 11 mil respondentes distribuídos pelo país.
Chama atenção a queixa de quase 30% dos pesquisados, sobre o medo de serem “esquecidos” e desligados em função disso, especialmente entre os bancários de bancos privados. Esse receio, somado ao estresse, causa outros problemas como crises de ansiedade e dores de cabeça constantes, dificuldades para dormir, vontade de chorar sem motivo aparente, dores de estômago, entre outros problemas mencionados.
Devido à inadequação das instalações para o trabalho nas suas residências, depois do início do home office apareceram (ou pioraram) as dores musculares, formigamentos nas mãos, braços e ombros e dores nas articulações. Cansaço e fadiga constantes e dificuldades de concentração também se agravaram, diretamente ligados a sobrecarga, aos excessos de jornada e à dificuldade na conciliação das tarefas domésticas e das relações familiares com o trabalho. A pesquisa buscou saber, então, quais as principais reivindicações dos bancários em home office nesse período de pandemia e quarentena.
Os resultados apontaram para a necessidade de fornecimento de equipamentos por parte dos bancos; ações voltadas à saúde, como o atendimento médico e psicológico via telemedicina; o estabelecimento de controles de jornada, com o pagamento das horas extras. A questão financeira mostrou-se preocupante e, para grande parte dos bancários, o pagamento de um “auxílio home office” ou mesmo um adicional à cesta alimentação amenizaria os impactos nas despesas.
Apesar das dificuldades, quando questionados sobre como esses trabalhadores gostariam de seguir trabalhando após a pandemia, 42% das respostas apontaram preferência por um regime misto entre o trabalho presencial e o home office. A pesquisa apurou ainda que 27% desejam o retorno completo ao presencial e que 28% gostariam de seguir totalmente em home office (e nesse caso, destaque para os bancários de bancos públicos).
Foram quinze longas rodadas de negociação, entre 31 de julho e 30 de agosto, todas por videoconferência. Os bancos insistiam em oferecer reajuste zero (ou, apenas, um abono) e em alterar a regra da PLR, reduzindo percentuais de distribuição, além de querer retirar a 13ª cesta alimentação e reduzir o percentual de gratificação de função.
A proposta final foi: 1,5% de reajuste nos salários, acrescidos do pagamento (único) de um abono no valor de R$ 2.000 e correção pelo INPC/IBGE integral, relativo ao período de 1º de setembro de 2019 a 31 de agosto de 2020 (que fechou em 2,94%) nas demais verbas (auxílio alimentação e refeição, auxílio creche/babá e os valores fixos e tetos da PLR). Todos a serem pagos em setembro de 2020. Para o ano de 2021, foi proposto reajuste pelo INPC/IBGE integral do período de 1º de setembro de 2020 a 31 de agosto de 2021 no salário e demais verbas salariais acrescido de 0,5% de ganho real, a serem pagos em setembro de 2021.
Todas as demais cláusulas da CCT foram mantidas e foi acrescentada a cláusula 69, sobre a negociação coletiva em função da pandemia da Covid-19. Quanto ao teletrabalho não se chegou a um consenso para uma cláusula que fosse incluída na CCT. Ficou garantido, apenas, que todos os direitos previstos na CCT valem para os trabalhadores em home office e que esse regime de trabalho deve permanecer enquanto durar a pandemia. Acordos específicos sobre o tema seriam negociados e fechados por banco.
A campanha dos bancários em 2020 foi marcada por situações inéditas. Merece destaque a participação da categoria nas conferências e, principalmente, nas assembleias de aprovação dos acordos. Ao todo, 130 mil bancários e bancárias participaram das assembleias finais. Muito superior ao que ocorria nas assembleias presenciais. O total de participantes representa quase 30% dos bancários do país (em torno de 450 mil), sendo muito representativo. A última proposta da Fenaban foi aprovada por mais de 90% dos participantes. Os acordos da Caixa Econômica e do Banco do Brasil tiveram 70,8% e 83,7% de aprovação, respectivamente.
Essa participação expressiva dos bancários em todas as etapas da campanha (desde a consulta nacional até as assembleias) surpreendeu os dirigentes e pode ter sido decisiva para a última proposta apresentada pelos bancos.
A finalização das campanhas dos bancários sempre causa impactos significativos em termos de injeção de recursos na economia do país. Em 2020, serão R$ 8 bilhões em um ano, considerando o reajuste anual (impacto de R$ 757,0 bilhões), o pagamento do abono de R$ 2.000,00 (R$ 900 milhões), a diferença nos vales – cesta alimentação e refeição (R$ 260,7 milhões) e o pagamento da PLR (impacto de R$ 6,2 bilhões).
Fonte: Rede Brasil atual / Feeb-SC