Se o funcionário comete uma falta grave, a empresa pode demiti-lo, mas, apesar de soar incomum, o contrário também pode acontecer. É a chamada rescisão indireta, direito trabalhista garantido pela legislação brasileira.
Quando o patrão deixa de cumprir com seus deveres, o funcionário pode “demitir” a empresa caso sinta-se lesado pela empresa.
É possível acionar o modelo de dispensa indireta quando o profissional sentir-se humilhado ou ameaçado de alguma forma pelo empregador, bem como se ele identificar que seus direitos não estão sendo cumpridos.
Isso inclui casos como o atraso de salários, o não recolhimento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e o não pagamento de benefícios previdenciários, bem como desvio de função e atividades que coloquem em risco a vida do trabalhador.
A rescisão indireta é um direito trabalhista, que garante ao profissional a possibilidade de solicitar o desligamento da empresa diante de situações específicas, em que se sinta lesado ou humilhado pelo empregador.
Esse não é um modelo muito comum, mas está previsto na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
O processo é similar ao de demissão por justa causa, em que o empregador demite o colaborador com base em algum motivo, como ofensa moral aos colegas ou abandono do trabalho, por exemplo.
No entanto, no modelo indireto, o pedido de demissão parte do funcionário e não da empresa.
Esse tipo de “demissão” indireta costuma parar na Justiça do Trabalho. Pelo acompanhamento da Coordenadoria de Estatística do TST (Tribunal Superior do Trabalho) do início de 2023 até maio, a quantidade de ações registradas foi de 114.526 processos.
Segundo especialistas em Direito do Trabalho, a falta de recolhimento do FGTS é responsável por mais de 80% das ações.
No ranking de assuntos mais recorrentes na Justiça do Trabalho, o número de processos novos de janeiro até maio de 2023 voltados à falta de recolhimento do benefício ultrapassa os 205 mil.
Para garantir o recebimento das verbas rescisórias, o colaborador precisa justificar o pedido de desligamento, apresentando provas da situação que o motivou a solicitar a rescisão.
Essas provas podem ser vídeos, imagens ou testemunhas, por exemplo. O profissional também deve pedir aviso prévio.
“Tanto a falta de depósito do FGTS como o atraso dos salários são mais fáceis de comprovar, pois basta o trabalhador alegar o calote em juízo”, explica a advogada Elaine Cristina Beltran de Camargo.
“Quem deve provar que pagou é sempre o patrão, que precisa apresentar os holerites, extratos e comprovantes bancários”, completa a advogada, que é especialista e mestre em Direito do Trabalho e conselheira da AASP.
A rescisão do contrato de trabalho de forma indireta pode ser caracterizada pela inviabilidade de se manter uma relação trabalhista saudável.
O objetivo desse direito garantido ao trabalhador é protegê-lo de situações nas quais ele possa se sentir lesado, bem como assegurar contratos de trabalho justos, com o cumprimento de todos os direitos previstos pela CLT.
O artigo 483 da CLT determina as situações em que o colaborador pode solicitar a reincidência indireta do contrato ao empregador.
Segundo o artigo, o profissional pode “considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
Dentro dessas especificações, confira alguns casos que podem levar o funcionário a pedir o desligamento por meio da rescisão indireta do contrato de trabalho a seguir.
Situações de assédio moral ou que gerem qualquer tipo de constrangimento ao colaborador podem ser justificativas para o pedido de desligamento indireto.
Esse tipo de assédio consiste em violências psíquicas, como ofensas, ameaças e situações pejorativas, que são alguns exemplos característicos do assédio moral.
Em entrevista à CNN, Silvia Chakian, promotora de justiça do estado de São Paulo, reforça que o assédio pode ser sutil.
“A gente acha que o assédio é aquela cantada grotesca, que todo mundo ouve. Mas, nem sempre é assim”.
“Basta um olhar para o corpo da mulher, uma mensagem em um grupo de WhatsApp, uma piada sexista para que seja intimidador para muitas mulheres”, ressaltou a promotora.
Silvia também destacou que mulheres e homens estão sujeitos ao assédio moral e sexual no ambiente de trabalho, por isso é importante saber como agir nessas situações.
Além da agressão verbal, como os casos de assédio moral, as agressões físicas são outro motivo que pode levar o funcionário a pedir dispensa do trabalho.
Nesse contexto, vale destacar que casos de assédio sexual também podem justificar a rescisão de contrato.
O desvio de função acontece quando o empregador exige a realização de tarefas não descritas no contrato de trabalho.
Isso pode incluir a solicitação de atividades incompatíveis ao cargo e a formação do profissional, bem como o excesso de trabalho devido ao desvio de função e a atribuição de tarefas que exigem esforço físico acima da capacidade do colaborador.
Na prática, essa situação pode caracterizar quebra de contrato por parte do empregador.
Nas atividades que exigem o uso de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), é responsabilidade da empresa fornecer os dispositivos necessários para manter a segurança do colaborador.
Caso isso não aconteça na prática, o profissional pode solicitar a rescisão do contrato, tendo como justificativa a exposição frequente a situações de risco no ambiente de trabalho.
Em caso de rescisão na modalidade indireta, o colaborador pode ter seus direitos garantidos, desde que comprove a justificativa para o pedido de desligamento da empresa.
Quando essa rescisão é reconhecida pela Justiça, o contratante tem de pagar todas as verbas rescisórias, como se o empregado tivesse sido demitido sem justa causa.
Ou seja, com o reconhecimento da Justiça, o trabalhador tem o direito de receber:
No modelo indireto de rescisão do contrato, o responsável por solicitar o desligamento é o colaborador. Para isso, ele deve solicitar o rompimento do contrato por justa causa ao empregador.
Esse procedimento ocorre na Justiça e deve ser realizado com o auxílio de um advogado, que fica responsável por dar entrada na ação trabalhista de rescisão contratual.
A ação deve apresentar a justificativa para o pedido de encerramento de contrato, acompanhada das provas selecionadas pelo funcionário.
Ao receber uma solicitação de rescisão, a empresa deve ser transparente e colaborar com o andamento do processo na Justiça.
O setor de Recursos Humanos é o maior envolvido nesse cenário e deve agir de forma neutra e imparcial, ficando responsável por fornecer as informações necessárias ao caso.
O funcionário é desligado da empresa apenas após a decisão favorável da Justiça do Trabalho sobre a ação de rescisão contratual.
Caso o posicionamento da Justiça seja favorável ao profissional, a empresa deve calcular os valores rescisórios para pagamento dos direitos trabalhistas.
Nesse contexto, o empregador deve considerar os benefícios citados anteriormente, como multa de 40% do FGTS e férias proporcionais.
Além desses benefícios, a empresa deve entregar os documentos necessários para recebimento do seguro-desemprego.
Em alguns casos, o trabalhador também pode solicitar indenização por danos morais. Nessas situações, a empresa deve somar o valor definido em Justiça às verbas rescisórias para realizar o pagamento.
Segundo os advogados, as ações judiciais ganharam agilidade por conta dos processos eletrônicos e, no caso do modelo indireto de rescisão, a conclusão costuma levar de um a três anos, em média.
Ainda que haja a possibilidade de permanecer no trabalho enquanto a ação não é julgada, a maioria dos trabalhadores que pedem o desligamento indireto se afasta do serviço.
Nesse momento, orientam os especialistas, é importante fazer o ajuizamento da ação visando o reconhecimento e decretação da rescisão indireta o mais rápido possível para que isso não se configure como abandono de emprego.
“A rescisão indireta depende da ocorrência de fato grave o bastante a ponto de impossibilitar ao empregado a continuação da prestação de seus serviços, devendo haver certa imediatidade entre tal fato pelo empregado e a rescisão contratual”, explica Elaine.
“As irregularidades não devem ser toleradas por longo tempo”, reforça.
Assim como outros temas, o método indireto de rescisão de contrato não é uníssono no judiciário. A recomendação é que o trabalhador, caso queira “demitir o patrão”, consulte um profissional especializado.
Esse profissional poderá, na análise do caso concreto, verificar a viabilidade ou não desta discussão, bem como apresentar os riscos envolvidos ao trabalhador.
Para as empresas, o principal impacto do pedido de desligamento pelo funcionário tende a ser financeiro.
Além de arcar com o pagamento das verbas rescisórias, o empregador pode ter que pagar indenizações em alguns casos. Custos com advogado e processo seletivo para contratação de um novo profissional também podem somar ao cálculo.
Outro ponto é a reputação da organização, tanto interna quanto externamente. Como consequência, a empresa pode enfrentar um aumento no índice de turnover, dificuldade de atrair talentos e sentir impactos no relacionamento com o consumidor, por exemplo.
Para evitar os impactos negativos da rescisão indireta, as empresas podem tomar algumas medidas para assegurar os direitos dos colaboradores e garantir um ambiente de trabalho seguro, inclusivo e agradável.
Confira algumas ações que podem evitar os pedidos de desligamento:
Doenças psicossociais são condições psicológicas desencadeadas por fatores ambientais. É o caso da depressão, ansiedade e do Burnout, por exemplo.
Quando o ambiente de trabalho não oferece condições adequadas, pode desencadear essas doenças psicossociais.
A síndrome de Burnout, por exemplo, está relacionada ao ambiente laboral e pode ser motivada pela sobrecarga de trabalho, cobrança excessiva e estresse nesse espaço.
Em entrevista à CNN Rádio, no Correspondente Médico, o presidente do Instituto de Psiquiatria da USP Wagner Gattaz disse que um a cada cinco trabalhadores apresentam a síndrome.
Segundo ele, “o Burnout é um episódio de esgotamento emocional, com falta de energia para o trabalho, cansaço, distanciamento das pessoas, despersonalização e descaso pelas convenções sociais”.
Isso pode levar o colaborador a solicitar a rescisão contratual.
Apesar da legislação não caracterizar a síndrome como justificativa para o pedido, o profissional pode assegurar seus direitos ao comprovar que as situações que o levaram ao esgotamento estão previstas na lei. (Fonte:CNN).