Proposta de reforma sindical (patronal) legaliza greve de empresas (locaute), reduz poder da Justiça do Trabalho, extermina poder de negociação e direitos dos trabalhadores
Uma proposta de reforma sindical encomendada pelo governo Jair Bolsonaro legaliza a locaute e limita o poder da Justiça do Trabalho. As mudanças objetivam retirar o poder de negociação e diluem os sindicatos de trabalhadores.
Majoritariamente a composição dos grupos de estudos que formularam a Reforma Sindical são de consultores e advogados vinculados as confederações patronais com serviços prestados junto aos conselhos da Fiesp, Febraban, CNF, CNI e CNC, dentre outras instituições. Além de professores universitários, ocupam os grupos servidores públicos vinculados a diversas carreiras ou ocupantes de cargos estratégicos no governo federal.
O movimento sindical trabalhista ressalta que a reforma tem o objetivo destruir os sindicatos e o poder de negociação dos trabalhadores. “É uma reforma inteiramente voltada aos interesses dos patrões”, diz Ricardo Saraiva Big, secretário de Relações Internacionais da Intersindical Central da Classe Trabalhadora.
Também é bom enfatizar que até agora, a desregulamentação de direitos trabalhistas só não foi maior graças à atuação dos movimentos sindical, social e da oposição.
Patronal
Hoje, o locaute, por exemplo, espécie de greve de empresas — é proibido. Pelo instrumento, em vez de os trabalhadores, são os empresários que interrompem deliberadamente as atividades.
Locaute
Para sindicalistas, o locaute pode ser usado como ferramenta de pressão. Segundo eles, há suspeitas, por exemplo, de que empresários do setor dos transportes encorajem paralisações de motoristas para obter ganhos, seja com mais subsídio público, seja com reajuste do preço procuração do passageiro nas tarifas.
Durante o governo Michel Temer (MDB), em 2018, houve suspeita de locaute na greve dos caminhoneiros . Na ocasião, o país viveu intensa crise de desabastecimento.
Entre as sugestões da Reforma estão a liberação do trabalho aos domingos e a proibição de reconhecimento de vínculo de emprego entre prestadores de serviço e aplicativos.
O subgrupo coordenado pelo professor da FEA-USP, Hélio Zylberstajn (ligado aos patrões), debate a liberdade sindical. “A propósito, nesse novo modelo é recomendável admitir o locaute”, diz o relatório.
Por meio de uma PEC (proposta de emenda à Constituição), o artigo 9º passaria a prever que “são assegurados os direitos de greve e de locaute, competindo aos trabalhadores e às empresas decidir sobre os interesses a serem defendidos e à oportunidade de seu exercício”. Hoje, a Constituição admite uma greve.
Integrante da comissão, o advogado e professor de direito do trabalho da USP Nelson Mannrich afirma que se busca “paridade de armas”. “Se os empregados têm uma arma [greve], o empregador tem o direito de ter a mesma arma [locaute].”
No meio jurídico, há resistência. Professor de direito do trabalho da USP e sócio do escritório Siqueira Castro, Otavio Pinto e Silva crítica a proposta. “Em vez de promover uma negociação coletiva, o locaute acaba por sufocá-la.”
Segundo Silva, a greve, como último instrumento, busca o atendimento de uma publicação, quando frustrada uma negociação. “Mas o locaute viria com qual objetivo?”
Justiça do Trabalho amarrada
A Justiça do Trabalho, que por meio do chamado poder normativo, põe fim a conflitos, quando solicitado por ambas as partes, e pode definir direitos, como reajuste salarial, gratificações e valores, o que seria proibido sem negociação. Na Reforma Sindical (Patronal), o magistrado poderia apenas declarar se a greve ou o locaute é abusivo.
O subgrupo de Zylberstajn propõe ainda mudanças no artigo 114 da Constituição. O dispositivo de competência — ou seja, quando e sobre o que um magistrado pode decidir—, proibindo o poder normativo.
Hoje, os trabalhadores recorrem à Justiça quando se sentem lesados pelo empregador e contam com uma resposta por meio de sentença judicial.
Segundo a proposta, o ramo trabalhista poderia processar e julgar “ações que envolvam a abusividade no exercício do direito de greve e locaute, sendo vedada a estipulação de cláusulas sociais e econômicas”.
A Anamatra também se opõe à medida. Para o presidente da entidade, Luiz Antonio Colussi, a ferramenta pacífica relações coletivas.
“O poder normativo é um instrumento importante, impondo às partes a solução adequada aos dissídios coletivos. Hoje a Justiça do Trabalho consegue resolver”, afirma o juiz.
O relatório ainda o fim da chamada unicidade sindical —ou seja, um único sindicato por categoria em uma base territorial. Seria também permitida filiação a mais de uma entidade. O registro seria feito apenas em cartório civil.
Uma proposta de sindicato por empresas é atacada por Colussi. “A ideia inicial de negociar por empresa enfraquece o poder da categoria, e a empresa vai negociar com grupo menor”, diz o magistrado. A empresa teria pleno poder de negociação e pressão com ameaças de propor o que quiser, inclusive reajuste zero ou rebaixamento de salários.
Trabalhadores afirmam que Bolsonaro se aproveita a fragilidade dos trabalhadores por conta do desemprego, causado deliberadamente por sua política econômica fracassada, para dificultar o financiamento das entidades sindicais e diminuir o poder de mobilização das categorias.
Veja algumas propostas dos especialistas ligados as entidades patronais:
§ Organização sindical livre, com registro em cartório civil, sem interferência e intervenção do poder público (dilui e enfraquece o poder de negociação);
§ Organização sindical livre em qualquer grau ou âmbito de representação, não havendo vinculação obrigatória a atividades, ocupações, ofícios, profissões e bases territoriais (hoje só pode um único sindicato em uma base territorial e a base mínima é o município, o que fortalece e dá maior poder de mobilização à categoria);
§ Sindicato profissional mais representativo faz negociação coletiva sem interesse de todos os empregados na unidade de negociação, podendo admitir a atuação conjunta dos menos representativos (somente uma pequena parte será ouvida pelos seus interesses ou dos patrões. O fim dos interesses coletivos de todos);
§ Não associado tem direito de participar e votar em assembleias relativas às coletivas (enfraquece as entidades e coloca trabalhadores ligados aos interesses da empresa);
§ Sindicatos patronais representam apenas associados e podem admitir não associados em negociação coletiva (entre os patrões);
§ Proibida a imposição de contribuições de qualquer natureza aos não associados (extermina qualquer tipo de financiamento das entidades na luta pelos interesses dos trabalhadores);
§ Assegurado o direito de se associar a um ou mais sindicatos (faz confusão e dilui a unidade de mobilização como poder de negociação);
§ Fim do poder normativo da Justiça do Trabalho, proibindo magistrados de estipulares cláusulas sociais e promoção (todo o poder às empresas que farão pressão e ameaças para rebaixar salários e direitos).
O desafio está mais uma vez colocado aos trabalhadores de mobilizar a sociedade, o governo e o Parlamento numa unidade de ação e de amplo diálogo com o Congresso e com todos os setores, de modo a evitar qualquer tentativa de atropelo do governo com nova proposta de Reforma Trabalhista e Sindical que retire direitos e aumente as desigualdades econômicas e sociais.
Fonte: UOL
Notícias: FEEB-SC