O dólar segue acumulando alta expressiva ante o real em 2024. Na sexta-feira (2), a moeda encerrou o dia cotada em R$ 5,71.
Apesar da queda de 0,44% registrada no pregão, o dólar se mantém ao redor do maior patamar desde dezembro de 2021, alcançando na véspera, quando foi a R$ 5,739.
No ano, a divisa norte-americana acumula valorização de 18,49% em comparação com o real, o que coloca a moeda brasileira no pior desempenho do ano até o momento, segundo levantamento feito de Einar Rivero, sócio-fundador da Elos Ayta Consultoria.
O dólar vinha subindo desde o começo do ano, uma vez que foram frustradas as expectativas de um corte de juros nos Estados Unidos já no começo de 2024, o que poderia tornar o Brasil mais atrativo para o capital estrangeiro.
Um primeiro momento de piora se deu em abril, quando problemas domésticos começaram a pesar junto do exterior. O temor que surgia naquela época era ligado às contas públicas, num momento em que começaram a rondar rumores de que a meta fiscal para 2025 seria alterada.
A alteração do objetivo de gastos do governo federal foi confirmado no dia 15 daquele mês, quando o alvo mudou de um superávit primário para déficit zero.
Entre maio e julho, o mercado foi pautado principalmente pela questão do déficit. O argumento é que a falta de responsabilidade com os gastos torna o investimento no país mais arriscado, tirando atratividade do nosso mercado.
Mas nas primeiras semanas de julho, a situação parecia melhorar.
Além de voltarem a florescer as expectativas pela queda dos juros do Federal Reserve, o banco central dos EUA, a mudança de retórica do governo — encabeçada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad —, pregando equilíbrio com as contas públicas, parecia amenizar a situação.
Mas nas últimas semanas a situação voltou a se deteriorar. E apesar de alguns resquícios do temor fiscal ainda deixarem o mercado em alerta, o momento indica que o problema vai “muito além” das contas públicas, segundo Beto Saadia, diretor de Investimentos da Nomos.
“O governo já fez algumas entregas e mesmo assim o dólar não cedeu. Então, algo diz que vai além do temor fiscal”, aponta Saadia, que destaca o congelamento de gastos de R$ 15 bilhões anunciado em julho.
Alguns dos fatores destacados pelo diretor da Nomos são a escalada de tensão no Oriente Médio, o alto fluxo de capital para fora do país, impulsionado também pelas importações em alta, e o momento atual da política monetária.
“O comunicado do Copom [veio] bastante leniente, teve um tom bem duro, mas ao final não entregou o que o mercado queria, que era uma sinalização clara de que o Banco Central subiria os juros na próxima reunião. Isso não foi feito”, avalia Saadia.
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) manteve a taxa Selic em 10,5% por mais uma reunião. Muito se especulava que os diretores do BC poderiam avaliar um aumento dos juros devido o cenário de deterioração fiscal e cambial.
Em seu comunicado, o colegiado apontou que incertezas no cenário global e domésticolevaram à decisão unânime pela manutenção dos juros. Entre elas, as pressões inflacionárias apresentadas pelo câmbio.
Mas como uma coisa afeta a outra? O economista e especialista em inflação do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), André Braz, enfatiza que “quanto mais o tempo passa e o real se desvaloriza, maior é a probabilidade de a gente ter um impacto inflacionário”.
“Primeiro, a gente passa a exportar mais. A moeda desvalorizada atrai interesse de quem compra do Brasil, e à medida que a gente exporta mais, sobra menos aqui para o mercado doméstico, e o preço sobe”, explica Braz.
“E também por conta das importações, uma vez que a gente começa a importar produtos mais caros. À medida que isso vai acontecendo, vai aumentando os custos, que em parte são repassados ao consumidor”, conclui.
Braz destaca que o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) – que é um dos componentes do Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M), calculado pela FGV – é um dos primeiros a refletir esse impacto cambial.
“Na seleção de itens que a gente costuma monitorar para ver câmbio, já começa, sim [a aparecer o impacto da alta do dólar]. O último fechamento do IGP-M mostrou um efeito cambial mais forte. Para isso chegar no consumidor, está cada vez mais próximo”, avalia Braz, que é coordenador dos índices de preços da entidade.
E alguns movimentos já podem ser observados na prática, principalmente no caso dos combustíveis, aponta Jefferson Laatus, chefe-estrategista do grupo Laatus.
Ele destaca os reajustes praticados pela Petrobras desde a posse da nova CEO, Magda Chambriard; o primeiro em julho nos preços da gasolina e do gás de cozinha, e o segundo na quinta-feira (1º) no querosene de aviação.
Em junho, durante sua primeira coletiva como presidente da Petrobras, Chambriard demonstrava conforto com os preços internacionais e os valores praticados pela estatal.
Na ocasião, disse que o preço de referência no exterior, a participação de mercado da companhia e o custo de oportunidade para exportação estavam adequados e que, na época, não haveria mudança nos preços.
Se olharmos para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), tido como a prévia da inflação oficial, o movimento de alta no grupo de combustíveis e energia também é visível.
Em julho, o grupo registrou alta de 0,75%, aceleração em comparação ao 0,68% registrado em junho. Enquanto isso, o índice geral desacelerou de 0,39% em junho para 0,3% em julho.
Já no acumulado em 12 meses, a alta é de 5,94% para o grupo de combustíveis e energia, enquanto o índice geral subiu 4,45%. Nesse caso, ambos aceleraram na comparação com junho, quando estavam em 1,97% e 4,06%, respectivamente.
“Se olhar os últimos dados de inflação, eles já vêm mostrando alguma aceleração, seja por combustível ou produtos mais caros. Já está surtindo efeito sim”, argumenta Laatus. (Fonte: CNN).