Quando Jia, uma consultora baseada na ilha de Manhattan, em Nova York (EUA), leu o livro Faça Acontecer, de Sheryl Sandberg, em 2014, ela decidiu seguir o conselho oferecido pela chefe de operações do Facebook.
“Eu tinha acabado de me formar numa escola de administração da Liga Ivy (que reúne algumas das universidades mais prestigiadas dos EUA), estava super animada e adorei a ideia de fazer acontecer”, diz Jia, cujo sobrenome não será revelado nesta reportagem para proteger sua reputação profissional.
“Aprender a me autopromover pareceu me dar tanto poder, e eu estava 100% pronta para provar que eu era a mulher que poderia ter tudo: ser uma mulher com uma carreira bem poderosa e uma grande mãe.”
Mas hoje, Jia, de 38 anos, pensa de forma diferente. Por anos, ela sentiu como se estivesse sendo ignorada para promoções e aumentos de salário por causa de seu gênero, particularmente depois de ter se tornado mãe em 2018.
Desde então, ela assumiu a maior parte das obrigações na criação de filhos porque seu marido, que é banqueiro, viajava com mais frequência a trabalho. Isso, acrescenta, lhe deu uma reputação errada, entre seus colegas e chefes — a maioria deles é do sexo masculino — de ser uma pessoa sem ambição profissional.
Então, quando começou a pandemia de covid-19, foi como se todos os fatores que já a limitavam fossem intensificados. Quando a creche de sua filha fechou, em março de 2020, Jia tornou-se a principal cuidadora dela, enquanto tentava manter-se em dia com o trabalho.
“Eu estava extremamente desmotivada, porque sentia que passava todas as horas do dia tentando não cair de uma esteira rolante”, explica. “Mas, ao mesmo tempo, sentia que confiavam cada vez menos que fosse capaz de fazer um bom trabalho. Eu podia sentir minha carreira escapando pelos meus dedos, e não havia absolutamente nada que pudesse fazer a respeito disso.”
No começo de 2021, o terapeuta de Jia disse que ela estava sofrendo de esgotamento profissional — em inglês, o chamado “burnout”. Jia afirma que ela nunca havia tido problemas de saúde mental antes. “Mas agora eu estou apenas tentando chegar ao final de cada semana me mantendo sã”, diz.
A história de Jia é sintomática de um desequilíbrio profundamente instalado na sociedade e que a pandemia tanto destacou como exacerbou. Por vários motivos, mulheres, particularmente mães, provavelmente ainda administram diariamente uma lista mais complexa de responsabilidades que homens — uma combinação frequentemente imprevisível de tarefas domésticas não remuneradas e trabalho profissional pago.
Embora o peso mental de desempenhar esse equilíbrio é visível há décadas, a covid-19 jogou uma luz particularmente dura no problema. Estatísticas mostram que estresse e esgotamento profissional estão afetando mais mulheres que homens e, particularmente, mais as mães que trabalham fora de casa do que pais que fazem o mesmo.
Isso pode ter múltiplos impactos para o mundo profissional pós-pandemia, o que torna importante que tanto empresas com a sociedade como um todo encontrem formas de reduzir esse desequilíbrio.
Dados recentes que olham especificamente para o chamado burnout em mulheres são preocupantes. Segundo uma pesquisa feita pela plataforma LinkedIn, com quase 5 mil americanos, 74% das mulheres disseram que estavam muito ou razoavelmente estressadas por motivos ligados ao trabalho, em comparação com apenas 61% dos empregados do sexo masculino que responderam à pesquisa.
Uma análise separada da empresa de consultoria Great Place to Work e da startup de saúde Maven observou que mães com empregos remunerados têm 23% mais chances de sofrer de burnout que pais empregados.
Desde o começo da pandemia, estima-se que 2,35 milhões de mães que trabalham fora nos Estados Unidos sofreram de esgotamento profissional, especificamente “devido às demandas desiguais da casa e do trabalho”, mostrou a análise.
Especialistas geralmente concordam que não existe uma razão única pela qual mulheres ficam esgotadas, mas eles reconhecem amplamente que a forma com que estruturas sociais e normas de gênero se cruzam tem um papel significativo. Desigualdades no ambiente de trabalho, por exemplo, são indissociavelmente ligadas a papeis tradicionais de cada gênero.
Nos Estados Unidos, mulheres ainda recebem em média 82 centavos para cada dólar recebido por um homem, e a distância em muitos países da Europa é semelhante.
A empresa de Jia não publica seus dados sobre diferença de salários entre gêneros, mas ela suspeita que seja significativa. Além disso, ela acredita que muitos de seus colegas do sexo masculino ganhem mais que ela, algo que lhe causa um grande volume de estresse.
“A ideia de que eu possa estar me vendendo por pouco é extremamente frustrante, mas eu também não quero fazer com que eu me torne impopular querendo mais dinheiro, quando já estou esticando os limites ao pedir à minha empresa para fazer ajustes porque eu tenho que cuidar da minha filha”, diz ela. “É uma batalha interna constante.”
Desde o começo da pandemia, estima-se que 2,35 milhões de mães que trabalham fora nos Estados Unidos sofreram de esgotamento profissional — Foto: Getty Images
Em geral, pesquisas ligam baixas rendas a altos níveis de estresse e a uma saúde mental ruim. Mas vários estudos também já mostraram mais especificamente que incidências de burnout entre mulheres são maiores por causa de diferenças em condições de trabalho e do impacto do gênero no avanço profissional.
Em 2018, pesquisadores da Universidade de Montreal, no Canadá, publicaram um estudo em que 2.026 trabalhadores foram acompanhados durante um período de quatro anos. Os acadêmicos concluíram que mulheres eram mais vulneráveis ao chamado burnout que homens porque elas tinham menos chances de ser promovidas que eles e, portanto, eram mais propensas a estar em posições com menos autoridade, o que pode levar a maior estresse e frustração.
Os pesquisadores também identificaram que mulheres eram mais propensas a liderar famílias com um pai ou mãe solo, experimentar tensões ligadas às crianças, investir parte de seu tempo em tarefas domésticas e ter mais baixa autoestima — coisas que podem exacerbar o esgotamento profissional.
Nancy Beauregard, uma professora da Universidade de Montreal e integrante do grupo de autores daquele estudo, disse que, ao refletir sobre seu trabalho em 2018, fica claro que a covid-19 ampliou as desigualdades e os desequilíbrios que sua equipe demonstrou. “Em termos de desenvolvimento sustentável do capital humano da força de trabalho”, diz ela, “nós não estamos seguindo numa boa direção”. (Fonte: G1).