Passados mais de dois anos do início da pandemia gerada pela Covid-19, creio ser possível já afirmar que o trabalho foi um dos ramos do direito mais profundamente afetados pelos efeitos dessa onda. No dia a dia das relações laborais, processos que já vinham se anunciando foram enormemente acelerados, com o progresso cada vez mais intenso na área de tecnologia da informação. Refiro-me especialmente, e em primeiro lugar, ao teletrabalho ou, como preferem alguns, ao home office. Empresas dos mais variados tipos e tamanhos foram desafiadas a, em pouquíssimo espaço de tempo, viabilizar o trabalho remoto para seus funcionários, em larga escala. Esse, talvez, tenha sido um dos aspectos mais visíveis, não só para os especialistas na área, mas mesmo para o público em geral.
Mas com ele vêm novos desafios, igualmente fundamentais para o mundo do trabalho, como a própria possibilidade de prestação de serviços de qualquer lugar fora do ambiente laboral (anywhere office, ou seja, não necessariamente o clássico trabalho em casa); o chamado “direito à desconexão”; questões ligadas a saúde mental, que derivam das dificuldades impostas pelo trabalho remoto, a partir da separação entre vida pessoal e profissional etc.
No Brasil, em razão do conturbado momento político por que passamos, muito tem se falado numa “revogação” da reforma trabalhista de 2017. Sinceramente, não creio muito nessa possibilidade, especialmente depois que o Supremo Tribunal Federal confirmou o prestígio que se deve dar à autonomia privada coletiva (o famoso “negociado sobre o legislado”), o que penso que seria o principal mote da reforma. Por outro lado, considero importantes algumas alterações pontuais, como no caso do trabalho intermitente, que não me parece ter caído nas graças do empregador.
O próprio tema do teletrabalho também ainda carece de melhor regulamentação, com regras mais claras, especialmente no que diz respeito ao controle do tempo de trabalho e a definição sobre os custos envolvidos na atividade fora do âmbito da empresa. Mas é uma realidade inescapável, própria do mundo moderno.
Haverá variações, é claro, a depender da cultura de cada empresa. A recente e polêmica declaração do não menos polêmico empresário Elon Musk, colocando-se francamente favorável a um retorno ao trabalho presencial, é exemplo claro disso. Ele, dono de uma empresa de tecnologia, é contrário ao trabalho remoto. Notem que curioso. Aliás, vários gigantes da tecnologia vêm se manifestando em termos, se não tão radicais, ao menos de forma semelhante, expressando uma preocupação com o que seria um exacerbado apreço ao trabalho remoto. As trocas de experiência no ambiente da empresa ainda parecem ser um componente importante na vida laboral.
Penso que também teremos de nos debruçar com mais intensidade sobre novas modalidades contratuais derivadas do trabalho prestado em locais extremamente distantes da sede da empresa, como em países estrangeiros, tema desafiador porque envolve discussões sobre representatividade sindical, recolhimentos de tributos, questões previdenciárias etc. Não podemos esquecer de mencionar também aquilo que, embora ainda pareça a alguns como assunto de adolescentes, deve se tornar um tremendo foco de atenção dos grandes players do mercado.
Refiro-me ao metaverso, ou como queiram chamar as relações travadas em ambiente exclusivamente virtual. É possível já imaginar contratos ou relações de trabalho no metaverso, com todas as implicações jurídicas que daí derivam. Anos muito desafiadores nos esperam.
As leis trabalhistas têm avançado, especialmente no prestígio que se deve dar à atuação dos entes coletivos de representação dos trabalhadores. A recente decisão do STF sobre o assunto reafirma a importância da representação sindical que a reforma trabalhista procurou acentuar, na prevalência do negociado sobre o legislado, assegurando o patamar mínimo civilizatório previsto na Constituição de 1988.
Por outro lado, é preciso que discutamos como esse princípio se adequa a uma economia mais dinâmica, uma economia cada vez mais ligada ao saber, ao conhecimento e ao desenvolvimento tecnológico, circunstância que força o aparecimento de novas profissões, novos modelos de trabalho, alguns deles realmente ainda, lamentavelmente, desprotegidos em termos de legislação social.
Não há como negar o desafio de incorporarmos à rede de proteção social imaginada pelos constituintes de 1988. Esse grande contingente de trabalhadores surgidos nos últimos anos, que não têm em seu favor aquele patamar mínimo de direitos que a Carta Política prevê, ao menos nas intenções, a todos os trabalhadores do país. É preciso que também a eles se dê voz e instrumentos formais de representatividade coletiva. (Fonte: Conjur).