Relator do Orçamento de 2023, o senador Marcelo Castro (MDB-PI) apresentou nesta segunda-feira (28) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para viabilizar a retomada do Bolsa Família. O texto retira o programa social do teto de gastos por quatro anos e prevê, ao todo, R$ 198 bilhões fora do teto em 2023.
Além dos R$ 175 bilhões estimados para bancar o Bolsa Família, a proposta libera o governo para investir até R$ 23 bilhões nos próximos anos, fora do teto de gastos, a partir do “excesso de arrecadação” – ou seja, de tributos arrecadados acima do que estava previsto inicialmente (entenda abaixo).
O texto foi cadastrado no sistema do Congresso, mas, para começar a tramitar oficialmente, precisa da assinatura de pelo menos 27 senadores (um terço do total). Aliados do governo eleito tentam chegar a esse número até esta terça-feira (29), para que a PEC possa ser votada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado ainda nesta semana.
O governo eleito corre contra o tempo nas negociações porque todas essas regras precisam ser incluídas no Orçamento de 2023 – que, se não houver atrasos, deve ser votado até o dia 16 de dezembro.
“O que está sendo proposto é o prazo de quatro anos. Inicialmente, havia a ideia de ser perene a excepcionalização do teto de gastos do Bolsa Família. Mas, devido a muitas reações que houve, chegou-se à proposta de quatro anos”, afirmou Marcelo Castro nesta segunda.
“É claro que tudo isso vai ser fruto de intensas negociações, e quem cobre o Congresso Nacional sabe que dificilmente uma matéria entra no Congresso e sai da mesma maneira que entrou. Claro que nós estamos esperando que essa PEC sofrerá modificações até a gente chegar a um consenso”, continuou.
O objetivo da PEC do Bolsa Família é assegurar o pagamento da parcela de R$ 600 a partir de janeiro, mais um adicional de R$ 150 por criança de até seis anos. Essa modelagem tem custo estimado de R$ 175 bilhões por ano.
Ao retirar todo o orçamento do Bolsa Família das restrições da âncora fiscal, no entanto, a PEC também abre um espaço de R$ 105 bilhões abaixo do teto de gastos. Ou seja, permite que o governo eleito use esse montante para cumprir outras promessas de campanha, como a valorização do salário mínimo e a recomposição de programas como a Farmácia Popular.
Os pontos mais sensíveis – e que podem ser alterados durante a tramitação da PEC – são justamente o tamanho do impacto financeiro e o tempo pelo qual o Bolsa Família ficará fora das regras de austeridade fiscal.
O teto de gastos limita o crescimento das despesas públicas acima da inflação, funciona como uma barreira fiscal para que o governo não extrapole no aumento da dívida.
Inicialmente, a equipe de transição do governo do PT sugeriu uma PEC com efeito permanente, sem definir o período para excepcionalizar o benefício do teto. Mas, como a ideia sofreu resistência entre as lideranças do Congresso, o novo governo teve que recuar para um texto com validade de quatro anos.
A proposta prevê que, a partir de 2023, eventual excesso de arrecadação poderá ser usado para investimentos – mas até o limite de R$ 23 bilhões.
O texto estabelece que o excesso de arrecadação de receita corrente do ano anterior poderá ser utilizado para alavancar investimentos sem a restrição do teto de gastos.
O limite é de R$ 22,9 bilhões (o que corresponde a 6,5% do excesso de arrecadação de receitas correntes de 2021).
“Os investimentos seriam, no máximo, no valor de R$ 23 bilhões. Ou seja, se o país tiver excesso de arrecadação de R$ 10 bilhões, você só vai poder investir R$ 10 bilhões. Se tiver [excesso] de R$ 100 bilhões, você só vai poder investir R$ 23 bilhões”, detalhou o senador.
A PEC também prevê que o novo Bolsa Família seja excluído da meta de resultado primário de 2023. Isso significa que o gasto não será contabilizado para o resultado positivo ou negativo das contas do governo central no ano que vem.
O novo Bolsa Família ficaria, ainda, fora da regra de ouro de 2023 a 2026. Essa regra impede o governo de contrair dívida para financiar despesas correntes, como é o caso dos benefícios sociais.
A proposta retira, portanto, do teto:
Esses últimos dois pontos não tiveram valores incluídos na PEC porque não são recursos do governo.
O projeto de retirar as receitas próprias de universidades do teto de gastos permite que a arrecadação de esforço próprio das universidades federais possa ser utilizada, independentemente do teto. Valerá, por exemplo, para doações de ex-alunos ou convênios firmados com universidades de outros países.
Pelo texto, o relator do Orçamento, que é o autor da PEC, Marcelo Castro, poderá apresentar emendas, alterando a peça orçamentária, para atender “solicitações da equipe de transição”.
Após o anúncio de Castro, o ex-ministro da Fazenda no governo Dilma e integrante do grupo técnico de Economia do gabinete de transição Nelson Barbosa disse que a PEC precisa ser apresentada essa semana para ser aprovada ainda este ano.
Barbosa deu as declarações na saída do Centro Cultural Banco do Brasil, sede do gabinete de transição. Segundo ele, o fato de a proposta já trazer a excepcionalização do Bolsa Família do teto por quatro anos já atende as expectativas do grupo de trabalho de economia.
“É necessário complementar esse orçamento. Até o governo [Bolsonaro] disse que, se fosse reeleito, faria isso, por isso a PEC é necessária, não dá pra esperar até 1º de janeiro”, defendeu.
“Agora, o governo [eleito] considera outras soluções. Mas a melhor solução é fazer uma PEC, e vamos ver como isso evolui”, disse Barbosa.
Questionado sobre a opinião do mercado financeiro sobre o texto da PEC, o ex-ministro disse que “a opinião do mercado, o mercado dá”.
“O fato é que não há no Orçamento pra 2023 previsão pra manutenção do Auxílio Brasil ou novo Bolsa Família no valor atual, então é urgente garantir a manutenção desse valor porque tem milhões de pessoas que dependem desse benefício pro seu dia a dia. O governo eleito está procurando todas as formas possíveis pra garantir, e não só isso, mas também a manutenção de vários programas necessários”, afirmou Nelson Barbosa na entrevista. (Fonte: G1).