A garantia dos direitos reprodutivos e à reprodução da vida, uma pauta central do movimento de mulheres, têm esbarrado na falta de acesso a uma assistência básica e uma luta histórica das trabalhadoras: o salário-maternidade.
Segundo o Boletim Estatístico da Previdência Social de janeiro deste ano, 84.101 mulheres receberam alguma parcela do salário-maternidade. O número é baixo se levarmos em conta a quantidade de mulheres em idade produtiva e reprodutiva.
Segundo a pesquisadora do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) Adriana Marcolino, o dado indica que o benefício de assistência à maternidade não atinge o conjunto de trabalhadoras brasileiras que dele precisam.
Ou seja, o direito à assistência maternidade, momento de muita vulnerabilidade para a mulher, é um direito estabelecido apenas para no mercado de trabalho formal, com registro na carteira de trabalho ou em contratos que preveem o recolhimento.
“O direito ficou restrito às características do mercado de trabalho, mas não é efetivo. Precisamos pensar em um formato de política pública que olhe para a realidade do que estamos vivendo”, afirma a socióloga.
A taxa de informalidade no 4º trimestre de 2023 ficou 39,1% em relação ao total de pessoas ocupadas. Entre as mulheres, essa taxa se mantém em torno dos 39%. Isso significa que uma em cada quatro mães trabalhadoras pode não receber a assistência-maternidade.
São mulheres que trabalham por conta própria, de forma autonomia e sem nenhum tipo de contrato ou vínculo de trabalho, ou “pjotizadas”, com contratos como Pessoas Jurídicas mas executando a função de funcionárias.
A secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Amanda Corsino, afirma que, apesar da licença maternidade ser uma importante conquista, ela precisa ser entendida ao conjunto de mães justamente por ser de interesse da crianças, da infância e da sociedade em geral, e por isso não se restringir à mulher com registro em carteira de trabalho.
“Essa precisa ser uma responsabilidade do Estado. Muitas mães estão na informalidade, ou como MEIs (Microempreendedor Individual). As empresas têm burlado as normas de contratação para não pagar o piso salarial, e com isso muitas trabalhadoras estão ficando sem direitos. O salário-maternidade deve ser política pública”, defende a secretária.
Esse é um contexto comum para as empregadas domésticas. Mesmo com a Lei Complementar nº150, de 2015, conhecida como PEC das Domésticas, que colocou parte do serviço doméstico no escopo do trabalho formal, muitas ainda não estão sob o regime da CLT. Ou porque os patrões não cumprem a lei, ou porque trabalham com diárias, cada dia em uma casa ou empresa diferentes.
Foi o que aconteceu com a empregada doméstica Fabiana Machado Pereira quando engravidou da filha Laura há 6 anos. Fabiana trabalhava fixo em algumas casas na época, mas mesmo assim, por não ter o registro na carteira, não pode acessar o salário-maternidade.
“Foi um período muito difícil porque eu fiquei totalmente sem trabalho e sem renda, e justamente em uma época que as despesas em casa aumentaram. Contei com a ajuda de familiares e amigos para poder atravessar essa fase”, conta.
O caso de Fabiana corrobora a defesa da socióloga Adriana de que é preciso a garantia de uma licença-maternidade universal, um benefício previsto como o direito de assistência social. “A maternidade é um direito fundamental para a reprodução da vida, e que as mulheres suportam de um jeito muito individual. Se formos esperar resolver o problema do mercado de trabalho antes as mulheres ficarão sem cobertura”, defende a pesquisadora do DIEESE.
Sem licença ou sem trabalho após a licença
Se por um lado milhares de mães trabalhadoras não recebem assistência social nos primeiros meses e anos de vida dos bebês, por outro aquelas que estão em regime formal de trabalho, e que portanto têm o direito garantido pelo registro em carteira e recebem o benefício, estão sob o iminente risco de perder seus empregos após a licença.
A probabilidade de emprego das mães no mercado de trabalho formal aumenta gradualmente até o momento da licença, e decai depois. É o que indica a pesquisa
“As consequências da licença maternidade no mercado de trabalho” da Fundação Getúlio Vargas.
De acordo com a pesquisa da FGV, a queda no emprego se inicia imediatamente após o período de proteção ao emprego garantido pela licença (quatro meses).
Após 24 meses, quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade estão fora do mercado de trabalho, um padrão que se perpetua inclusive 47 meses após a licença. A maior parte das saídas do mercado de trabalho se dá sem justa causa e por iniciativa do empregador.
No entanto, os efeitos são bastante heterogêneos e dependem da educação da mãe: trabalhadoras com maior escolaridade apresentam queda de emprego de 35% 12 meses após o início da licença, enquanto a queda é de 51% para as mulheres com nível educacional mais baixo.
Algumas empresas vêm possibilitando às funcionárias estenderem a licença-maternidade por mais dois meses. Para as que tiram seis meses de licença há uma maior probabilidade de continuarem empregadas seis meses após a licença (uma diferença de 7,5 pontos percentuais), mas esta vantagem é reduzida a zero 12 meses após a licença.
O estudo sobre a trajetória das trabalhadoras em um país em desenvolvimento mostra que o mercado de trabalho no Brasil é diferente do existente nas economias desenvolvidas em termos de desigualdade salarial, discriminação e informalidade.
O estudo indica que, no Brasil, a licença-maternidade de 120 dias não é capaz de reter as mães no mercado de trabalho, mostrando que outras políticas (como expansão de creches e pré-escola) podem ser mais eficazes para atingir esse objetivo, especialmente para proteger as mulheres com menor nível educacional.
A pesquisa mostra ainda que a extensão da licença-maternidade (no Brasil, por seis meses) tem protegido as trabalhadoras que se tornam mães, ao menos por algum período após seu retorno ao emprego. (Fonte: Seeb Rio).