Empresas de variados setores reclamam da falta de mão de obra no mercado, mas como isso é possível em um país com 8,4 milhões de desempregados? Um dos problemas, avaliam especialistas em recrutamento, não é a quantidade de candidatos disponíveis, mas a qualidade dos concorrentes, em um mercado que busca habilidades cada vez mais específicas.
De acordo com a consultoria de recrutamento Robert Half, no terceiro trimestre de 2023 76% dos recrutadores brasileiros afirmavam ter dificuldade em encontrar profissionais qualificados — aqueles com mais de 25 anos e ensino superior completo. A maioria dos RHs avaliavam que a situação não mudaria até o final do ano. Por outro lado, o cenário também é complicado para a mão de obra, do ponto de vista dos trabalhadores: 79% dos desempregados pontuam que conseguir um emprego está difícil.
O problema se espalha entre setores. Com biomédicos cada vez mais interessados na área de estética, por exemplo, a empresa especializada em automação de diagnósticos clínicos Celer Biotecnologia, sediada em Belo Horizonte, precisa driblar obstáculos para recrutar profissionais. “Algumas vezes, encontramos excelentes profissionais técnicos, porém com pouca habilidade em tecnologia, e o nosso negócio é uma junção de tecnologia com saúde”, descreve a gerente de desenvolvimento humano e organizacional da empresa, Silvana Lott.
“Hoje, gasta-se, em média, seis meses para ter um profissional pronto para o trabalho, conhecendo todos os nossos produtos e serviços. Na medida em que ele fica um tempo na empresa e sai por qualquer motivo, isso se torna ainda mais complexo, porque temos o custo da capacitação e da nova seleção”.
Ao mesmo tempo, os candidatos não hesitam em fazer reivindicações ao empregador, completa ela: “no pós-pandemia, eles estão mais exigentes. Muitas vezes, em um processo seletivo, a primeira pergunta que fazem é quantos dias são de home office”. No setor de tecnologia, é recorrente que recrutadores explicam que alguns dos melhores profissionais trabalham, hoje, de casa para empresas estrangeiras.
A dificuldade em encontrar mão de obra qualificada é de longa data, mas tem se intensificado com as transformações do mercado, enquanto a tecnologia altera cargos rapidamente. “Estamos falando de um mercado cada vez mais competitivo, em que as empresas necessitam de habilidades cada vez mais específicas. Hoje em dia, os profissionais precisam ampliar o conhecimento e ganhar novas ferramentas para se diferenciar no mercado”, avalia o gerente da Robert Half Alexandre Mendonça.
“Se você não se diferencia no mercado e tem algo que é muito comum a todos os profissionais, enfrenta mais competitividade na sua área. Em BH, por exemplo, o inglês ainda é um diferencial, porque é necessário em uma multinacional”, acrescenta. Ele lembra que, entre os profissionais qualificados, a taxa de desemprego é consideravelmente menor que a total. No terceiro trimestre de 2023, ela chegou a 3,5% — a geral ficou em 8%.
Ligia Hacker, líder de Pessoas e Cultura da Vagas, empresa de tecnologia e dona do portal Vagas.com, destaca que o setor de tecnologia, um dos que mais se depara com falta de mão de obra, tem particularidades. “Muitas startups demitiram por uma questão de investimentos. Espera-se que eles retornem no começo do ano que vem. Há mais profissionais de tech no mercado, ao mesmo tempo em que as empresas exigem especialidades que nem todo mundo tem em tecnologias específicas”, diz a especialista.
A falta de mão de obra qualificada não é somente uma questão de escassez de habilidades no mercado, mas também de mudança de cultura. Os profissionais altamente qualificados têm à disposição, hoje, uma gama de novos setores sendo abertos pela tecnologia, e é cada vez mais aceito a possibilidade de ter múltiplas carreiras ao longo da vida — e, assim, mudar de emprego sem hesitação. É o que avaliou o primeiro gerente de RH do LinkedIn, Steve Cadigan, durante sua palestra sobre o tema no Congresso Aço Brasil 2023, em setembro: “as pessoas estão mudando de trabalho porque pensam que podem ter feito a escolha errada”, pontuou.
A escassez de trabalhadores também afeta posições que exigem menos educação formal. Neste ano, os supermercados EPA, por exemplo, abriram 1.000 vagas para operador de caixa e assistente de açougue. “O varejo tem aquele trabalho de segunda a segunda, com uma folga por semana, além da questão dos horários”, justifica a gerente de RH do Epa, Silvia Lamarque Guimarães.
O setor de construção civil é outra que busca, sem sucesso, preencher todas as vagas. Gerente de RH da construtora Emccamp, Christina Santos avalia que mais pessoas têm buscado qualificação formal e, assim, deixado serviços de base de lado. “Na mão de obra técnica, é cada vez mais difícil encontrar pessoas qualificadas em serviços de origem primária, como pedreiro, carpinteiro, mestre de obras, encarregado. Como não encontramos, pegamos pessoas que têm o mínimo conhecimento nessas áreas e formamos internamente”, diz.
Fonte: O tempo
Notícias: FEEB-SC