Perfeccionismo. Insegurança. Medo de falhar diante de um novo desafio. Quem nunca lidou com essas questões no decorrer da carreira? Uma pesquisa de 2018, da International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR), mostrou que 65% dos profissionais ativos no mercado de trabalho já se sentiram impostores. Para alguns, no entanto, os sentimentos aparecem de maneira exagerada, causando transtornos de ansiedade, depressão e impedindo o desenvolvimento profissional. A chamada síndrome do impostor pode assombrar na universidade, em um novo emprego, após uma promoção ou mesmo em situações de mudanças na forma de executar o trabalho.
“Pessoas com sentimentos impostores têm dificuldade em reconhecer que são capazes de alcançar seus objetivos e medo de serem descobertas como fraude”, explica Alison Martins Meurer, professor de ciências contábeis da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e do Instituto Federal do Paraná (IFPR), que escreve uma tese de doutorado sobre o tema. “Elas tendem a ser perfeccionistas, a trabalhar demais e sentem medo do julgamento de colegas e superiores.” Por outro lado, também podem procrastinar e deixar “brechas” no trabalho para justificar eventuais falhas (autossabotagem). Depois de muito empenho, quando cumprem a tarefa e são elogiadas, não assimilam o mérito”.Foi sorte” e “tive ajuda” são respostas comuns.
No ambiente de trabalho, essa desordem de autopercepção aumenta o grau de ansiedade e insegurança. “Imagine experimentar tudo isso dentro de um dia-a-dia já pesado, com grande quantidade de tarefas, alta demanda e escassez de tempo”, afirma a psicóloga Samanta Luchini, especialista em gestão de pessoas. “A pessoa começa a evitar chances de exposição, perde oportunidades, passa a se sabotar: ?Já que eu me sinto uma farsa, não vou dar chance de os outros comprovarem isso.?”
A síndrome do impostor se manifesta especialmente em pessoas com baixas autoestima e autoconfiança, com autocrítica excessiva e que não se permitem errar. Mas também está relacionada à autoavaliação em relação a estado social, etnia, aparência física e ao sentimento constante de não-pertencimento. “Minorias sofrem mais com o problema”, diz Meurer. “Temos vários exemplos: negros que ingressam na universidade e não identificam outros negros; estudantes que são os primeiros da família a cursar o ensino superior; estrangeiros e a comunidade LGBTQIA+ em empresas.” Como não se consideram pertencentes ao grupo, temem serem “descobertos”. O problema também se manifesta em homens, mas em vez de sentir insegurança e incapacidade, normalmente eles acreditam que atingiram o sucesso por sorte ou acaso.
Atenta a esse cenário, a Magalu considera o fortalecimento emocional como parte relevante da cultura da empresa. “A primeira vez que nos deparamos com a síndrome do impostor de forma mais estruturada foi enquanto desenhávamos o programa de trainees exclusivo para negros”, conta Patricia Pugas, diretora executiva de gestão de pessoas. “Ficou claro que não adiantava ter um programa excelente do ponto de vista de treinamento, com uma turma incrível, sem criar um ambiente favorável para eles se desenvolverem sem medo”. Por isso, além de todos os incentivos e treinamentos de cunho emocional já previstos, o programa abordou também a síndrome do impostor.
Para não entrar no ciclo da síndrome do impostor, vale seguir algumas dicas:
Exercitar um olhar positivo sobre si mesmo e reconhecer virtudes de colegas e subordinados – de preferência, publicamente – são estratégias para espantar a síndrome do impostor do ambiente de trabalho.Imagem: Bruno van der Kraan
Foi nisso que a Diversey, empresa de higiene e limpeza industrial, investiu. Para incentivar líderes a mapearem suas realizações, a companhia entregou um diário aos 60 participantes de um treinamento sobre síndrome do impostor realizado em junho deste ano.
A ideia era que escrevessem sobre suas vitórias de cada dia. Na ocasião, metade dos participantes revelou já ter se sentido aquém do que se esperava deles. O programa, cujo tema foi sugerido pelos próprios funcionários, durou uma hora e meia e apresentou explicações, ofereceu estratégias de enfrentamento e incentivou a troca de experiências pessoais.
Conversas em grupo, aliás, são uma das formas mais eficazes para lidar com o problema. “Compartilhar sentimentos, vivências e sonhos com pessoas de confiança torna possível observar que falhas são normais, e ninguém é perfeito”, acredita Meurer.
Empresas onde os líderes não reconhecem o mérito dos funcionários, não dão feedback positivo e não delegam corretamente podem favorecer o surgimento da síndrome do impostor. Na Diversey, uma das ações mais eficazes para evitar isso é também uma das mais simples. “A liderança pode enviar a qualquer momento um cartão de apreciação para que os funcionários se sintam apreciados e reconhecidos”, conta Rita Sbragia, diretora de Recursos Humanos e Global Supply. Nos encontros gerais quinzenais, os gestores fazem um reconhecimento público do trabalho de seus funcionários. “O treinamento nos mostrou que precisamos ouvir as pessoas e mostrar que elas são capazes”, completa Sbragia.
“A maior parte dos gestores não faz isso intencionalmente e está tão pressionada com enxugamento e demissões que não encontra tempo para olhar para o lado”, acredita Ana Maria Rossi, psicóloga e presidente da ISMA-BR. Daí a importância de treinar o olhar dos líderes. “Se o funcionário tem a sensação de que não deveria ou não merecia estar ali, de que é um intruso, muitas vezes isso acontece por falta de presença executiva”, relata Pugas. “Por isso, o Magalu investiu em mentoria e feedback para que os líderes contribuíssem no acolhimento.”
Outro exemplo é o da empresa de desenvolvimento de serviços e produtos digitais SoftDesign. Todos os gestores da companhia passam por um treinamento sobre empatia e inteligência emocional. “Isso propicia um ambiente seguro para que as pessoas possam errar, e para que a síndrome do impostor não afete tanto”, conta Emilia Adachi, consultora de RH responsável pela área de engajar e reconhecer. A empresa também oferece espaço de escuta com quatro profissionais e disponibiliza um app para os funcionários realizarem autodiagnóstico e buscarem ajuda profissional.
A SoftDesign também aposta em uma estrutura organizacional horizontal. “Não temos gerente, não temos chefe, apenas a diretoria executiva e poucas coordenações, o que dá segurança para os funcionários contarem com o apoio dos colegas e experimentarem mais”, afirma Adachi. Meurer concorda: “Empresas altamente competitivas e sem cultura organizacional de cooperação, que são muito verticalizadas e onde as metas individuais são mais importantes que as coletivas, são gatilhos para a síndrome do impostor.”
Fonte: UOL
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