A crise política não é um detalhe particular nesse cenário que aperta o bolso dos brasileiros. Com a confiança em baixa, empresários tendem a investir menos e a adiar contratações, alertam especialistas. O Boletim Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) de agosto, comprova que os reajustes ficam cada vez mais defasados perante a inflação, hoje pressionada especialmente pelos combustíveis, energia elétrica, alimentos e bebidas.
O estudo da Fipe indicou que 50,5% dos acordos e convenções coletivas no país firmados entre janeiro e julho envolveram correção abaixo da inflação oficial medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulado até a data-base das categorias profissionais. O levantamento mostra que apenas 22,9% das negociações, no período, resultaram em ganhos reais (acima da inflação) e que 26,6% dos reajustes empataram com o INPC.O indicador subiu 5,01% no primeiro semestre do ano.
“O cenário político carrega a incerteza do período eleitoral e tem efeitos colaterais na economia. Esses fatores afetam o salário do trabalhador porque o empresário precisa ter segurança para contratar. Sem contratação, a demanda por vaga fica maior e o salário cai, mesmo quando o funcionário migra para outro emprego. A situação seria diferente se os poderes estivessem, por exemplo, em harmonia, de braços dados”, explica Fábio Bentes, economista-chefe da Confederação Nacional de Comércio, Serviços e Turismo (CNC).
Na economia, a previsão é de piora no curto prazo. A partir de novembro, com o fim da estiagem, é possível que se comece a ver “a luz no final do túnel”, diz Bentes. O economista Cesar Bergo, sócio-investidor da Corretora OpenInvest, concorda que o desemprego recorde, ao aumentar a oferta de mão de obra, tem um efeito drástico no salário do trabalhador.
Não podemos também esquecer da ‘pejotização’, que deixou o trabalhador sem renda ao sair de um emprego (sem férias e sem FGTS). Mas o que o mercado está de olho é no ambiente de negócios, nas reformas tributária e administrativa e no desenrolar dos acertos entre Executivo, Legislativo e Judiciário”, ressalta Bergo.
Ramille Taguatinga, especialista em direito trabalhista do Kolbe Advogados e associados, reforça que, como a competição é expressiva, os salários na oferta de emprego tendem a ser mais baixos. “Se um candidato não aceitar, o seguinte irá aceitar”, explica. “Isso significa que a mão de obra está mais barata, mas a qualidade não mudou. As grandes empresas continuam a lucrar bastante, com despesa de pessoal muito menor. Para os trabalhadores, por outro lado, o resultado é nefasto: anos de dedicação, formação única e currículo extenso não são refletidos nos salários”, completa a especialista.
Segundo o economista Hugo Passos, com a crise sanitária, as empresas viram as receitas despencarem e os custos, nas alturas. Milhares de pessoas foram demitidas, por diversos motivos. “Quando a contaminação pelo coronavírus recuou, com a vacinação da população, as empresas começaram a recontratar, mas com salário mais baixo”. Com o cenário bastante desafiador para o Brasil e inflação acima de 9% em 12 meses, os ganhos de quem está empregado, caíram 23%, em média, e, em alguns casos, para quem entrou em novo emprego, a queda foi de 78%”, informou Passos.
A administradora Sabrina da Silva, de 27 anos,, conta que desistiu de seu último emprego, após um mês de trabalho, porque além do salário abaixo da média do mercado não correspondia às suas qualificações profissionais. “Como achei outro emprego que me pagaria melhor e teria mais benefícios, optei por sair”. Ela estranhou os procedimentos da contratação, já que, a princípio, não teve informação sobre o salário. “Só me disseram quando fui avisada de que havia sido aprovada no processo seletivo. Como queria muito sair de onde estava, acabei aceitando”. Fabiane Pereira, de 40, secretária-executiva, revela também que conseguiu uma vaga por meio de processo seletivo e levou um susto na hora da contratação. Ela diz que, no ato da entrevista, havia um valor pré-combinado. Porém, após passar na entrevista e assinar o contrato, o valor caiu. “Era menor até do que eu ganhava no trabalho anterior, mas aceitei. Fizeram um acordo comigo, para aumentar o valor apenas um ano depois (o que não ocorreu)”.A secretaria afirma que procurou lidar com a situação com naturalidade, porque ainda acreditava que a situação poderia mudar. “Eu queria o aumento, porém não tinha o que fazer, não fizeram um contrato provando o que havia combinado comigo. Não tinha o que fazer. Toda a situação me deixou muito frustrada. Depois de um tempo as demandas aumentaram, meu trabalho não era valorizado e eu resolvi procurar outros empregos”, afirma. “Hoje, eu vejo que não só a empresa onde eu trabalhei, mas várias outras pagam o salário abaixo da média, principalmente se for mulher”, reclama.
Não há fórmula mágica capaz de solucionar os problemas do mercado de trabalho no Brasil, na avaliação de Ramille Taguatinga, especialista em direito trabalhista do Kolbe Advogados e associados. “O que se pode fazer é aumentar a fiscalização e a sindicalização para que os empregados laboram em condições menos precárias e que ao menos o piso salarial seja respeitado”, diz Taguatinga. Destaca a importância de o trabalhador saber seus direitos, estar inteirado sobre os acordos coletivos de sua categoria e, principalmente, que saiba o valor do piso salarial para eventual negociação com o empregador. “O trabalhador tem direito ao piso, bem como aos dispostos na Constituição, na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e nos acordos da categoria”, declara. O governo federal comemorou o saldo de 316.580 novos trabalhadores contratados com carteira assinada em julho de 2021, registrados no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged), do Ministério do Trabalho. Ao mesmo tempo, o salário médio de admissão caiu 1,25% na comparação com o mês anterior (R$ 1.801,99), queda real de R$ 22,72. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que, embora a taxa de desocupação tenha recuado para 14,1% no segundo trimestre, redução de 0,6 ponto percentual em relação ao primeiro trimestre, o Brasil ainda tem 14,4 milhões de pessoas na fila em busca de um trabalho discriminação Protegida pelo nome fictício, nesta reportagem, Roberta Barros de Souza, uma brigadista de 45 anos, observa arca com prejuízo diante de colegas melhor remunerados. “Onde trabalho no momento, recebo menos da média que meus colegas. Como fui a última contratada, fizeram o contrato com um novo valor, mas com a mesma função. Eu acho injusto, mas não está fácil conseguir outro emprego”, afirma. Ela está na empresa há alguns meses, porque precisa de dinheiro para sustentar sua família. “Não gosto de reclamar de trabalho, porque querendo ou não eu já estou contratada, quando há milhares de pessoas desempregadas pelo país. Eu pelo menos consigo evitar que minha família passe fome”. (Fonte: Estado de Minas).