O Projeto de Lei 3914/19 e a MP de nº 1045/21 ao limitar o poder processual do juiz traz em seus textos dispositivos inconstitucionais, que dificultarão o acesso à Justiça da camada mais pobre da população. (Por Marta Gueller).
Atualmente, o acesso aos Juizados Especiais Federais independe, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas, por força da aplicação do Art. 54 da Lei nº 9.099/1995. Na Justiça Federal, nos processos que tramitam perante as varas federais, aquele que se declarar necessitado poderá pedir o benefício da gratuidade da Justiça.
O Projeto de Lei 3914/19, recentemente aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, restringe o benefício da gratuidade da Justiça, limitando-o ao trabalhador que comprovar miserabilidade, exigindo do segurado, por exemplo, o pagamento de perícia médica, caso tenha a necessidade de acionar a Justiça para comprovar incapacidade para o trabalho.
Mas não é só. Medida Provisória de nº 1045/21, em discussão no Senado Federal, propõe alteração da legislação trabalhista, com consequências previdenciárias, relacionadas também ao acesso à Justiça, limitando a Justiça Gratuita, inclusive nos Juizados Especiais Federais, tão somente aqueles que tenham renda mensal de meio salário-mínimo (R$ 550,00) ou renda familiar de até três salários-mínimos (R$ 3.300,00) ou, ainda àqueles que estiverem incluídos no Cadastro Único para acesso dos programas de assistência social.
Medida Provisória não tem o poder de alterar o Código de Processo Civil. O acesso à justiça está assegurado no artigo 5º da CF/88 não podendo ser fixado apenas pela renda do autor ou réu de uma demanda. A proposta, nos moldes acima referidos, restringirá o acesso à Justiça de grande parte dos brasileiros, na remota e improvável hipótese de vir a ser aprovada.
O destinatário da prova é o magistrado, cabendo a ele, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias (artigo 130 do CPC). Sendo o juiz o destinatário da prova, somente a ele cumpre aferir sobre a necessidade ou não de sua realização.
Da mesma forma somente ao juiz cabe, caso a caso, a apreciação do pedido de gratuidade feito pelo autor ou réu em processo judicial.
A renda sozinha não corresponde às condições sociais e econômicas do autor de uma demanda. E é aqui que entra a conhecida distinção entre a “pobreza de fato” e a chamada “pobreza jurídica”.
Cabe ao juiz, conforme os dados trazidos pelas partes em cada processo, analisar os ganhos e os gastos do cidadão que pleiteia o beneficio da gratuidade de justiça, considerando, inclusive, o percentual de imposto de renda e contribuição previdenciária incidentes sobre sua renda bruta e as despesas com moradia, educação, alimentação, vestuário, medicamentos, seguro saúde, lazer, a fim de verificar se o valor líquido que lhe restará no final do mês, será suficiente para o desembolso das custas processuais. Dessa forma, o juiz poderá enquadrar ou não o Autor como “juridicamente necessitado” em relação às custas e despesas do processo.
Não é apenas o miserável ou mesmo o economicamente pobre que pode obter a concessão da gratuidade perante o Judiciário.
Os Juizados Especiais Federais vêm garantindo, desde a sua criação, pela Lei 10.259, de 12 de julho de 2001, o papel de inclusão e de garantia de acesso à Justiça. O pobre considera o direito como um inimigo, e não como um amigo. Para ele, o direito sempre o está privando de algo.
O Projeto de Lei 3914/19 e a MP de nº 1045/21 ao limitar o poder processual do juiz traz em seus textos dispositivos inconstitucionais, que dificultarão o acesso à Justiça da camada mais pobre da população, em momento de grave crise econômica e de ineficiência da administração pública que deixa de apreciar ou nega, indevidamente, inúmeros pedidos de benefícios de natureza alimentar. Milhares de segurados, distribuídos pelo Brasil, ficarão sem os benefícios a que fazem jus, para eles, , a Justiça passará a não existir.
Por tal razão e diante da gravidade da situação acima narrada, a Comissão Especial de Direito Previdenciário, em conjunto com a Comissão Especial de Estudos de Perícias Forenses da OAB/SP, divulgaram notas pública e técnica contra as mudanças na legislação que, caso aprovadas pelo Congresso Nacional, irão dificultar o acesso dos cidadãos brasileiros ao Poder Judiciário. Da mesma forma a OAB/RS anunciou que atuará junto ao Conselho Federal e ao Congresso Nacional, a fim de que sejam revistos os termos do PL 3914/19, chamando a advocacia e toda a sociedade para participar do diálogo de construção de um acesso à Justiça amplo e condizente com o interesse da cidadania. (Fonte: Estadão).